Esta foi, disparado, uma das melhores epopéias de todas as minhas viagens… Eu tinha mais dois dias em El Calafate e faltava ainda conhecer El Chaltén.


Momento “Wikipedia”: El Chaltén é uma cidade, uma das mais recentes da Argentina, que é o paraíso dos montanhistas e trekkers do todo mundo, porque reúne numa mesma região montanhas, lagos e glaciares de beleza ímpar. Tem inúmeras trilhas por lá, que podem ser feitas em apenas algumas horas (para os tours de um dia, com todo o luxo de ônibuzinhos básicos cheios de turistas) até 9 dias (enfrentando as verdadeiras intempéries da natureza só para testemunhar paisagens indescritíveis!!).

Então, depois de pegar umas dicas com alguns brasileiros que estavam por lá, resolvemos fazer os passeios mais lights como Torres del Paine e Perito Moreno antes e deixar para fazer uma “caminhadinha” em El Chaltén…

A história começou no próprio hostel onde estávamos, que fazia as reservas dos passeios. Numa placa simpática lia-se: “Super Trekking em El Chaltén. Dois dias de passeios, inclui transporte e hospedagem, jantar e café da manhã. Passeio por diversos lagos e glaciares, onde serão ensinadas técnicas de escalada no gelo”.

Não vou negar… Já visualizei uma pousadinha simpática na encosta da montanha, diante de uma vista de um glaciar maravilhoso, tomando um delicioso café da manhã. E ainda ia fazer um trekking no gelo, coisa que já tinha feito antes em uma viagem para a Nova Zelândia.

– André, vamos fazer esse!

– Tem certeza? Você não vai agüentar…Você é fresquinha – André, meu tio garotão implicante tenta botar água na minha farofa…

– Tenho! Vamos! – Olha lá… Você não tá com condicionamento para isso…

Tipo, ele tava certo. 7 meses antes, eu tinha sofrido um acidente de carro e quebrado o ombro, o que me deixou uns 4 meses e meio de cama. E tipo, minha fisioterapia tinha acabado há umas – vá lá – 4 semanas atrás…

Mas sabe como é… Ttudo o que é novo precisa de um test-drive… Clavículas inclusive…

Fechamos o passeio.

Preparativos: Eu montei uma mochila com comida para os dois, para dois dias: duas garrafas d’água, frutas, sanduíches, barrinhas de cereal e chocolate. Ficou pesada, mas fazer o que, era comida, né? Iríamos revezando no caminho. E ele alugou uma bota de caminhada numa dessas lojas de equipamentos.

Preste atenção nesse detalhe, pois voltaremos a este ponto mais adiante!


O tour começou de manhã cedo, com o ônibus buscando a gente no hostel, e viajando por mais de 2 horas por uma estrada linda até El Chaltén. Algumas paradas para fotos e pipi-stops depois, chegamos ao ponto de encontro onde nosso guia, um argentino chamado Jorge, iria levar a dupla dinâmica Florzinha do Campo (eu) e Tiririca do Brejo (André) estrada afora.

Sim, os caminhos eram lindíssimos. Vocês sabiam que eu adoro caminhos?

E como no início tudo é festa, eu ia saltitante na frente, tirando foto de tudo o que via pela frente.

 

Delícias da Trilha I: Durante a trilha pudemos conhecer os arbustos chamados Calafate, que dão nome à cidade, e que parecem pequenos blueberrys. A gente ia colhendo no pé e comendo ao longo do caminho.

Delícias da Trilha II: Uma boa parte da floresta lembrava muito aqueles cenários da cidade dos elfos onde foi filmado “Senhor dos Anéis”. Isso acontece porque a vegetação da Patagônia e da Ilha Sul da Nova Zelândia, onde foram filmadas as cenas, é quase idêntica, com espécies de árvores raras que só existem nessas regiões.

Delícias da Trilha III: Em trilhas de qualquer tipo, recomendo a qualquer um que fique observando bem atentamente a trilha por onde passa, os arbustos próximos, etc. Não só isso reduz os riscos de você tropeçar ou se machucar num espinho escondido, mas sobretudo revelam algumas belezas escondidas. Aqui, por exemplo, encontramos várias vezes pelo caminha uma perereca igual a esta – que era do tamanho de uma unha do dedo da mão (roída, ainda por cima!).

Encontramos, ainda, um Pica-pau (o legítimo do desenho!). Segundo o guia, quem tem a cabeça vermelha é o macho (a fêmea é toda preta). E, por onde andamos, íamos ouvindo o “toc-toc” dele nas árvores!

Delícias da Trilha IV: Se caminhar é bom, parar para descansar é melhor ainda. Especialmente quando é num mirante, onde você pode admirar a beleza do lugar enquanto faz um lanchinho!

E não foi só na parada! Passamos por trilhas maravilhosas, paisagens fantásticas…

… e o mais legal, volta e meia cruzávamos com outro grupo de trekkers, de todas as idades e lugares possíveis (tinham vários casais vovôs fazendo trilhas juntos, com um pique invejável).

Passamos pelas lagoas da Madre e da Hija…

… paradas para abastecer de água…

… planícies e montanhas maravilhosas…

 

… e algumas ribanceiras (ah, à essa hora eu já estava consideravelmente menos saltitante…)

Ah, uma coisa muito legal (e assustadora): como estávamos no verão, muitas geleiras começavam a derreter, então o tempo todo aconteciam avalanches nas montanhas. Era proibido escalar sem o auxílio de um guia, por ser muito perigoso, mas mesmo estando longe da área de risco, às vezes acontecia de estarmos caminhando por um vale e só escutarmos o eco de uma avalanche acontecendo. Eram várias, várias vezes ao dia. Algumas vezes, víamos a fumaça. Lindo. E assustador.

Ah, lembram do André? Pois é, ao longo do passeio ele foi migrando de um estado de êxtase com a paisagem para um silêncio sepulcral, seguido de um mau-humor azedo de dar dó…

O motivo? Lembram da bota alugada? Então… O argentino que nos alugou trocou o número dele, que era 39, para uma de 41, e ele só percebeu quando colocou ela, no dia do passeio. Ou seja, o pé dele estava literalmente sambando dentro da bota.

Ah, a essa altura já tínhamos andado uns 20 quilômetros. Tinha mais bolha no pé do André do que formiga em doce de abóbora.

Dicas importantes para os trekkers de primeira viagem: Lembro nesses filmes de guerra americanos que os capitães mandavam os soldados terem cuidados com apenas duas coisas: com as travas das armas e com meias limpas para os pés, para evitar bolhas. É verdade. Então, sempre providencie um tênis ou bota muito confortável. Um machucado no pé acaba com qualquer passeio.

Depois de súplicas lacrimejantes, paramos para ele tirar as botas e ver o estado de petição de miséria que seus pézinhos se encontravam. Poucas vezes eu vi uma cara de alívio tão grande quanto a dele tirando a bota… Tal qual criança saindo do castigo.

O nosso guia – argentino, lógico – fala que temos mais 30 minutos de trilha antes de chegar ao abrigo.

Guia de trilha eu já não confio muito. Argentino, então… já estavam faltando mais meia hora de caminhada há duas horas atrás. Nessas horas é que a gente vê que o tempo é muito relativo…

Bom… Tomamos dois dorflex (cada um! Mal não ia fazer!), André bota a bota, engole a dor e seguimos.

Comments

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Clarissa Donda
Sou jornalista e escritora. Eu criei esse blog como um hobby: a idéia era escrever sobre minhas viagens para não morrer de tédio durante a recuperação de um acidente de carro. Acabou que tanto o blog quanto as viagens mudaram a minha vida (várias vezes, aliás). Por isso, hoje eu escrevo para ajudar outras pessoas a encontrarem as viagens que vão inspirar elas também.

14 COMENTÁRIOS

    • Vc vai para lá, Carol?? Que máximo, para onde e quando? Na verdade essa segunda etapa eu comecei a escrever e não terminei, falha minha mesmo! Vou correr com este post pra vc, tá? Se quiser alguma dica em especial, me fala! Amei aquele lugar!

      beijos!

  1. Oi Roomie!
    Vou em janeiro agora! Lembra que estávamos naquela de vamos ou não vamos e pra onde? Achei uma promo da Aerolineas de Porto Alegre para a Patagonia.
    Vou precisar de uma ajudinha sim. Você fez bastante coisa em 13 dias né? Eu pretendo ficar 17 só na Patagônia!!

  2. Clarissa, adorei o blog! Especialmente, os relatos sobre a patagonia. Eu e meu marido vamos à Patagonia em janeiro pela quinta vez! Da argentina ao chile, ė espetacular esta regiao. Fizemos a mesma trilha q vc, mas no fim de maio. Com muita neve! Lindoooo… Compartilho com vc este gosto por paisagens de caminhos. Sempre gostei. Faz mesmo a segunda parte do post. Curiosa p saber como foi! Abraco, Karinny

  3. Parabéns pelo blog! Adoro o seu jeito de escrever!
    Me tira uma dúvida?
    Esse super trekking que vcs fizeram é o Chaltén Viedma Ice Trek do Patagonia Backpackers? Eu não encontrei no post se o hostel onde você fechou o passeio foi o de El Calafate ou de El Chaltén…
    Te agradeço muito se puder me responder!
    Um beijo.

    • Pois é, agora que vc perguntou, eu fui dar uma olhada nele, no link, e pela descrição não é ele não.. Quer dizer, o trekking no Glaciar Viedma é o mesmo, mas o que esse Ice trek só inclui o translado e a caminhada no Glaciar, e o que eu fiz foram dois dias de trekking, com 24 km no primeiro dia e 19 no segundo (mais a caminhada no glaciar). Então, foi bem mais complexo, mas não achei mais a descrição dele. Como é a mesma empresa que organizou, a Patagonia Backpackers, acredito que eles ainda o façam, mas talvez não promovam mais no site por ser meio específico… De fato, não sei dizer! 🙁

      Fechei tudo (todos os passeios) no próprio albergue (eles ainda te ajudam com dicas do tipo: “faça esse primeiro que cansa menos, e esse que cansa mais depois, etc”… intercalando os passeios para você ter pique e aproveitar o máximo de tudo). Fiquei no Hostel Glaciar Pioneros (fofo, mais barato e ótimo atendimento: http://www.glaciar.com/hostel-calafate-pioneros.html. Mas também ouvi excelentes referências do Hostel Glaciar Libertador, o outro da mesma empresa!)

      Espero ter ajudado! 🙂

      • Oi Clarissa!

        Muito obrigada pela resposta! Vou entrar em contato com eles e se conseguir descobrir se eles ainda vendem e mais informações digo aqui quando voltar.
        Também achei o hostel um charme, provavelmente ficarei lá 🙂
        Brigada!

  4. Oi Clarissa!
    Adorei o post hahahaha
    Ri alto várias vezes aqui.
    Vou com minha tia (57 anos) e irmã (12 anos) em outubro/novembro.
    Queria saber sobre a trilha que vai até a Laguna de Los Tres… É muito pesada?
    Você fez essa?

    Beijinhos

    • Oi, Rachel!
      Que bom que gostou do post. Estou até hoje para terminar a sequencia do passeio! hahaha
      Então… Eu achei a trilha pesada, mas eu estava no auge de um condicionamento físico péssimo (leia-se: eu tive um acidente de carro uns 8 meses antes, tive que passar por cirurgia, fisioterapia, etc. Esse trekking foi minha primeira “caminhada” após isso tudo!). Mas ainda assim, consegui fazer. A trilha da Laguna de Los Tres, que foi a que fiz no dia seguinte, eu achei mais pesada que a do dia anterior sim, porque tinha mais subidas e descidas. Mas era decididamente a mais bonita, então recomendo ir sim. Tentem, talvez, se precaver indo com boas botas de caminhada (algo que o meu tio não fez) e fazendo umas caminhadas desde já para preparar o joelho. Mas fora isso, vá – é decididamente uma das caminhadas mais bonitas que eu já fiz na vida!

  5. Clarissa, seu blog é incrível! Dicas ótimas.. A gente já fica sonhando com a viagem só de ler o seu relato. Vou para patagonia em novembro, e pegarei voo de buenos Aires a el calafate. Pretendo ir a el chalten. Você acha necessário comprar as passagens de ônibus com antecedência ? Obrigada

    • Oi, Débora! Eu comprei assim que cheguei lá, com uma agência. Como era agência, eu não me preocupei com muita antecedência, mas caso você pretende ir por conta própria, talvez seja melhor comprar com antecedência, não?

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