– Sabe o filme “Insônia”, com Al Pacino e Robin Williams, em que um deles é policial e passa o filme todo sem conseguir dormir direito por causa das noites, que são claras?

– Sei.

– Então, é mais ou menos essa a sensação que você vai ter. Só que sem a parte dos assassinatos do filme e tal.

Então: assim que eu fui apresentada ao sol da meia-noite, antes mesmo de chegar lá.

noites na noruega

Eu estava a caminho de Kirkenes, cidade no extremo norte da Noruega, bem pertinho da fronteira com a Rússia e vários quilômetros acima da linha do Círculo Polar Ártico – e, por isso mesmo, a terra do sol da meia-noite. Comigo, dois problemas: o primeiro é que eu acabava de desembarcar na Noruega, e precisava com uma certa urgência encontrar um caixa automático onde pudesse sacar dinheiro em coroas norueguesas para, pelo menos, ir do aeroporto ao hotel (e não havia nenhum caixa no aeroporto). O segundo motivo é que minha mala havia sido extraviada, e tudo o que eu tinha comigo era um casaco poderoso, meu computador, câmera e apetrechos eletrônicos, que sempre vem comigo na bagagem de mão. Mas neca de roupa sobressalente. A temperatura de Kirkenes era de agradáveis 6 graus de verão – ótima ocasião para ficar sem mala.

Mas eu nem liguei. Afinal, era o ponto mais alto do mundo que eu já havia visitado na minha vida, e poxa, eram 22:30 e o sol ainda estava com tudo!

Desapegar de mala e de dinheiro: coisas que só o sol da meia-noite fazem com você.

2013-07-08 22.26.04

Visitar a Europa no verão é uma experiência interessante por causa dos dias mais longos. Seja na Alemanha ou Inglaterra, por exemplo, a sensação é que a gente vai aproveitando o dia, aproveitando, e quando vê, são 21 horas da noite, mas ainda com aquela sensação de 4 da tarde. Uma delícia!

Eu estava nesta vibe: fazendo minhas coisas e aproveitando o dia. Só que se o sol se pondo às 22:00 já deixava meu relógio biológico doidinho, imagina ele não se pondo de jeito nenhum? Só me dava conta de que estava tarde quando subitamente eu reparava que estava tudo fechado ou que eu não via ninguém. E nessas horas, é engraçado estar ajustado em outro tempo: a simples presença de sol faz ser difícil convencer o corpo de que é hora de deitar!

E aí, eu estava conversando sobre isso com um guia turístico norueguês, que simplesmente sorriu e me disse: “Isso acontece com você? Agora imagine os pais tentando colocar seus filhos pequenos para dormir e convencê-los de que, mesmo com esse sol, o dia já acabou”.

Mas o que acontece com o Sol da Meia Noite (que acontece nas regiões que ficam acima do Círculo Polar Ártico ou abaixo do Antártico) é que, em junho e julho no norte e em dezembro no sul, durante alguns dias o sol simplesmente não se põe: ele descreve uma curva no céu chegando quase a tocar o horizonte, e depois volta a subir novamente. As explicações técnicas estão aqui, mas na prática, acho que o Sol da meia-noite não ganha esse nome pomposo porque se põe a esse horário – afinal, ele não chega nem a se pôr. Mas é em torno da meia noite em que ele descreve o arco próximo ao horizonte e, por isso, o espetáculo fica mais bonito.

Noruega_sol_da_meia_noite
Horário da foto: 00:15 da manhã

Essa foto acima, por exemplo, foi quando eu vi o Sol no seu melhor! Eu estava já embarcada no navio do Hurtigruten, o cruzeiro que me levaria ao longo da costa norueguesa em direção ao sul, até Bergen. Nesse dia, eu já estava de pijama (sim, a mala já tinha chegado!), deitada na cama e lendo uma revista – não que estivesse com sono, porque a claridade não deixava, mas apenas porque estava tentando me manter numa rotina de dormir e acordar nos horários.

Quando, de repente, entra uma luz dourada e forte pela minha janela de navio. O quarto fica todo laranja.

Eram 23:47.

O solda meia noite na noruega

 

Troco de roupa, boto todos os casacos possíveis e saio correndo para o lado de fora do navio, com a câmera na mão. Só para conferir este rastro de luz na minha direção, que vinha luminoso em plena “noite”.

sol

E ali, admirando e tirando todas as fotos possíveis, eu aprendi algumas coisas:

A meia-noite é mais bonita porque, além do sol estar mais baixo (como se fosse um pôr do sol), é também quando ele está num ângulo em que pode ser visto por debaixo das nuvens de chuva (sim, porque na Noruega o tempo muda muito rapidamente). E aí o visual é escandalosamente bonito;

sol da meia noite2Não há pressa: o sol está ali para você a noite toda. Aliás, tempo é algo totalmente relativo no norte da Noruega;

Aprendi sobretudo que os espetáculos mais bonitos do mundo são de graça – mas as fotos bonitas existem disposição para aguentar o frio, o vento, a noite…

E que, por isso, assistir a cenas como essa é um exercício solitário. Mas extremamente compensador. 🙂

Noruega_o_sol_da_meia_noite

Pois é: foram assim as minhas noites no cruzeiro da Noruega. Todas elas com compromissos inadiáveis a partir das 23:45.

Já o horário para acabar era quando o sono ou o frio determinassem.

O resultado? Dias de olheiras, de um relógio biológico todo desajustado e de pequenas “sonecas” aqui e ali. Aliás, era essa a a sensação, 24 horas por dia: de que o dia e a vida está acontecendo lá fora e eu lá, dormindo.

Mas não reclamei em nenhum momento: ter um pôr do sol sem o sol se pôr todo dia e só para mim (eu era a única do barco que ficava horas assistindo), era um privilégio. Dormir para quê?

Somente 3 dias depois, quando o navio cruzou a linha do Círculo Polar Ártico em direção ao sul é que voltamos a ter noites. Curtas, é verdade, mas elas estavam lá. Escuras. Meia-noite voltava a ser território da lua.

E, pela primeira vez, eu percebi que voltar a ter noites é bom também. Foi quando voltei a dormir um sono mais tranquilo e foi quando eu voltei a escrever, também. O sol me deixava energética demais para poder serenizar as idéias e às vezes a gente precisa anoitecer dentro da gente também.

Mas que fique claro, não tive insônia em nenhum momento, como no filme. O que eu tinha era um uma espécie de sono culpado, de quem tem a sensação de que vai perder alguma coisa da vida lá fora. Mas que, cá entre nós, nem foi um grande problema. Afinal, se a gente perde o sono com tanta coisa, porque não com um a viagem boa de verdade? 🙂

 

Esta jornalista e blogueira viajou pela costa da Noruega em parceria com a Hurtigruten.

Comments

3 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom, estive tambem em Julho de 2013 em Oslo, passei por Sandvika, Ekeberg, entre tantos lugares por meio de uma empresa que todos os anos leva jovens como eu para participar da Norway Cup. E pude me maravilhar com o sol da meia noite, gostei demais, adoraria ver de novo.

  2. Tenho 77 anos. Há 5 anos sonho em fazer a viagem pela Hurtigruten até Kirkenes.
    Nestes 5 anos fiz inúmeras viagens pela Europa e Estados Unidos, sem perder a esperança de fazer a costa da Noruega.
    Fiz até uma excursão pela Noruega até Rússia.Mas meu sonho ñ foi realizado
    Não tenho companhia para a viagem e ao mesmo tempo tenho receio de faze -la sozinha, apesar de gozar de boa saúde.
    Adorei teu blog e gostaria de saber se posso me comunicar contigo se resolver ir e tiver alguma dúvida antes da viagem.
    Também não sou fluente no inglês, mas sempre me sai bem em outras viagens.
    Se puderes me passar algum contato, te agradeceria.
    Um abraço desta tua admiradora
    Ilse

    • Oi, Ilse!
      Fiquei muito feliz em receber sua mensagem! 🙂
      Olha, a viagem até Kirkenes pela Hurtigruten é fantástica mesmo – e eu fiz sozinha, e apesar de falar bem inglês, não sei uma palavra de norueguês, então digamos que eu não interagi muito!
      Mas digo isso para tentar, de certa forma, diminuir o seu receio de uma viagem pelo Hurtigruten (digo diminuir porque sempre fica um receiozinho, né). A programação do barco é super organizada, os locais são lindos e, mesmo não sabendo falar muito inglês, as pessoas são prestativas e vão fazer o melhor para você. Acredite, minha mala foi extraviada lá (e imagine, ficar sem roupa no frio da Noruega não é a coisa mais legal, né?), mas no dia seguinte a mala estava na porta da minha cabine do navio.
      Foi uma viagem bem bonita e introspectiva. E se você se saiu bem nas outras viagens a outros lugares mesmo sem o inglês afiadinho, você vai se sair bem também!
      Você pod eme escrever no email do blog, contato@dondeandoporai.com.br. Eu posso demorar um pouco a responder (estou numa correria enorme neste momento e com pouco tempo online), mas tentarei ajuda-la no que for possível!
      Um abraçom

      Clarissa

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