Quando em novembro de 2012 eu  viajava pela Rota das Emoções Nordeste adentro, a Karin, responsável pelo projeto que coordenava nossa visita, nos falava:

– Você vai ver que aqui, a proposta da Rota das Emoções é de fato um mergulho de sensibilidade, sabe? À medida em que você vai entrando na Rota, você vai tendo contato com diferentes realidades, cada uma com uma emoção diferente. E se você for no sentido Ceará – Maranhão, então, você vai ver uma experiência bem mais diferente. Não tenho como explicar.

Ok, concordo. E foi o que fizemos. E, verdade, a cada cidade era uma realidade diferente, cada uma com sua emoção particular.

Mas, com toda a humildade dos vilarejos por que passamos e suas mil e uma realidades – foi no Maranhão que eu comecei a me sentir incomodada com o cenário que eu via…

Não era humildade, ali, a palavra que me vinha à cabeça. Era, sei lá, descaso.

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Ok, falo do Maranhão, mas podia ser de qualquer outro lugar do Brasil? Poderia, sim. Mas ali, em Barreirinhas, na porta de entrada dos Lençóis Maranhenses, a situação me incomodou. E sem querer entrar em maiores discussões sobre desigualdade social e etc (que senão esse post não termina nunca), eu ficava cá pensando com os meus botões: considerando o número de turistas, especialmente estrangeiros, que chegam aqui para conhecer os Lençóis (que foi considerado um dos principais destinos no Brasil), não era para algum percentual dessa renda ter sido usada em prol da melhoria da cidade? Nem que fosse um pouquinho?

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Aí, me lembrei porque eu sempre via o Maranhão naquelas listas de Índice de Desenvolvimento Humano – para quem tem interesse em saber mais, na última pesquisa Barreirinhas ocupa a 4841a. posição entre os municípios do país na lista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, publicado em 2010.  Detalhe: o último lugar está na posição 5565.

Fora alguns detalhes que me fizeram muita falta: em toda Barreirinhas, só vi 3 caixas automáticos: Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco do Nordeste. Todos, sem nenhum caixa automático funcionando no fim de semana. Tudo bem que muitos lugares sofrem com a mesma escassez, mas acho que, em se tratando de uma cidade que recebe turistas do Brasil e do mundo todo para um dos principais destinos do país… Sei lá, acho que algumas opções poderiam ser resolvidas.

Enfim, tudo isso…. Fiquei chateada – taí, era essa a emoção. Principalmente porque acho que o pessoal de Barreirinhas merece bem mais do que isso. E não é uma emoção nada legal ver um pedaço do meu Brasil esquecido assim.

******************************

Dia seguinte. De sol. E eu no hotel, acordando para a vida.

– Oi, bom dia! – falo com a moça da recepção.

– Bom dia!

– Me tira uma dúvida: a internet do wi-fi aqui do hotel acabou de cair. Teria como ver se é só religar o roteador?

– Deixa eu ver. Hummm, não, não é possível, senhora. A aparentemente foi a internet que caiu.

– Sério? Que pena! Costuma acontecer isso direto aqui?

– Sim, é frequente. Às vezes cai na cidade toda.

– A cidade toda? E demora muito para restaurar?

– Ah, já aconteceu de demorar uns cinco dias – disse a recepcionista, voltando sua atenção para a revista e me deixando ali, parada.

E, vale dizer, nem considerei um mau-atendimento. Era o mais claro sinal de que ali, internet fora do ar era coisa mais do que comum. Caiu, ué, ela ia fazer o quê?

Eu, #xatiada, me sentei na poltrona da recepção, para esperar o carro que iria me buscar para o almoço. E já que não tinha internet, eu comecei a folhear as revistas em cima da mesa de centro.

Quando, de repente, eis que percebo um caderno no meio das revistas. Na capa, uma etiqueta dizia: “Deixe aqui sua mensagem para o prefeito de Barreirinhas – MA”.

Pelo título, a leitura prometia. Fui dar uma olhada.

E lendo, vi que não era só eu que estava chateada com o que estava acontecendo com Barreirinhas. Tanto que resolvi registrar algumas das reclamações e compartilhar aqui com vocês.

Vale a leitura:

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Médicos, engenheiros, arquitetos – todos, turistas vindos das grandes cidades do Brasil (e alguns recadinhos lá de fora também)… Todo mundo, assim como eu, sem nada a ver com a realidade de Barreirinhas – mas que também não concordavam com o estado em que a cidade se encontrava.

E todo mundo, assim como eu, tava dizendo ali que tinha amado os Lençóis, mas que também estava voltando para casa com uma emoção nada legal no peito.

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Tinha alguns “puxões de orelha” no prefeito da cidade:

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Achei interessante isso tudo.Não era?

E achei que ali devia ter uma história legal. E resolvi pesquisar quem era o prefeito – depois de sair da cidade, claro, porque a internet não pegava lá na hora e o Google, “aquele que tudo sabe”, não podia me responder.

Mas aqui, eu conto para vocês: o prefeito na época era  sobrinho de um senador todo-poderoso, ex-presidente do país e patriarca da família que é praticamente dona do estado, pesquisei depois.

Falo assim sem maiores citações, e quem quiser dar nomes aos bois é só fazer uma pesquisa rápida no Google. Se é que precisa…

Só que eu estava em  novembro de 2012, pós-eleições. E o meu carro para me levar ao almoço chegou.

E, sem eu saber, adivinha quem estava lá no almoço, sentado do meu lado? O prefeito recém-eleito em outubro, com 50,34% dos votos, mas ainda não empossado. E que tinha acabado de vencer nas urnas menos de um mês antes o tal prefeito mencionado no caderninho, que tentava uma reeleição.

Não resisti. Puxei papo. Comentei sobre o caderno “Fale com o Prefeito” que havia visto no hotel. Perguntei se outros hotéis tinham coisa parecida. Falei que isso era um ótimo medidor para ele perceber como a cidade dele estava sendo vista por quem era de fora. E que quem era de fora também estava preocupado com o destino de Barreirinhas.

Enfim, falei tudo. Com jeitinho e na boa. Mas tudo.

Ele ouvia, atento. E respondia, gentil. Sabia, aparentemente, do desafio que estava à sua frente (e, acredito eu, das dificuldades também). Falou das mudanças que pretendia fazer na cidade. Me deu o e-mail pessoal dele. Conversou, pediu opiniões, foi do prato até a sobremesa conversando sobre Barreirinhas.

E terminou fazendo o convite:

– Olha, eu te convido a voltar a Barreirinhas daqui a dois anos, e me procurar. Faço questão que você veja o que eu terei feito na cidade nesse período, e faço questão também que a gente continue essa conversa.

Assim. Sem comprometimentos mirabolantes de político. Apenas um convite para retomar o papo dali a dois anos, selado com um gole no suco de caju servido no copo descartável.

Eu, cá com meus botões, gostei. Tá, tá feito o trato. Daqui a dois anos, se Deus quiser, volto para conhecer essa nova Barreirinhas sim, e espero de verdade que ela esteja sendo muito bem cuidada até lá.

E, contando isso para vocês, queiro deixar claro que em nenhum momento a proposta desse post foi política – foi um papo, mas que achei que valia a pena compartilhar com vocês – seja pelo caderninho inusitado, pelo futuro-atual-prefeito, pelos fatos sobre a cidade (que basta pesquisar no Google para saber em que pé estão as coisas), pelo convite antecipado ou por tudo isso junto e misturado. Mas, sobretudo, por Barreirinhas, que merece ser assunto de conversa.

Aliás, como todas as nossas cidades, não? 

******

E aí o tempo passou, e eu continuo acompanhando Barreirinhas à distância através das notícias. Vou descobrindo, por exemplo, que:

– O ex-prefeito (aquele do caderninho e sobrinho do senador importante) tentou impedir a posse do novo prefeito e assumir mais uma vez a prefeitura da cidade.

– Aliás, parece que não é a primeira vez que isso acontece. Já tinha acontecido antes com o senador aqui e com o próprio ex-prefeito aqui.

– Como não conseguiu, o ex-prefeito fez isso aqui.

– E, aparentemente, parece que o novo prefeito tem feito isto aqui, isto aqui e isso aqui.

Resultado? Como muita coisa na política desse país, é esperar para ver que rumo que as coisas estão tomando.

Mas confesso que, depois disso, passei a reparar mais nas mesas das recepções de hotéis, à espera de um outro caderninho assim. Que, admito, não tenho achado, mas fica aí a sugestão: um simples espaço para anotações como esse é capaz de uma mobilização só pelo fato de incluir o turista na vida política do local, deixando sua opinião, crítica e elogio, forçando que se olhe para além das meras instalações turísticas.

Faz quem está de passagem pensar na cidade em que está, e essa opinião de fora também é um referencial importante na hora de pensar novas propostas para a cidade. Porque ser turista é também participar.

Enfim: espero, de coração, encontrar mais caderninhos destes por aí. E se vocês encontrarem, deixem também o seu recado: às vezes é preciso exigir as mudanças no papel para que depois elas possam sair de lá depois.

E se tudo der certo, a gente se vê de novo daqui a um ano e meio, Barreirinhas. Desejo vê-la bem melhor até lá! 🙂

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Se você gostou desse texto, acompanhe a série sobre a Rota das Emoções aqui:

Lençóis Maranhenses: lagoas, camarões e vida mansa em Atins

Lençóis Maranhenses (ou o que fazer quando as lagoas estão secas)

Rota das Emoções: do Piauí em direção aos Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses

Rota das Emoções: a revoada dos guarás no Delta do Parnaíba, Piauí

Rota das Emoções: as vivências com rendeiras, pitangas, cajuína e catadores de carangueijo no Piauí

Barra Grande em 10 motivos: para você visitar todos e parar de desdenhar promoção de passagem para o Piauí

Rota das emoções: viajando de buggy de Jericoacoara a Camocim, no Ceará

Rota das emoções: dicas do que fazer em Jericoacoara por quem começa a viagem por aqui

Rota das emoções: onde é, o que vale a pena fazer lá e como planejar sua viagem no Nordeste

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Esta jornalista e blogueira percorreu a Rota das Emoções em novembro de 2012 a convite do Sebrae e dos empresários de Turismo da Rota. Todas as impressões, dicas, sugestões e avisos são frutos da experiência e opinião da jornalista.

Comments

4 COMENTÁRIOS

  1. Oi Donda! Adorei esse seu post! Gente, que coisa mais incrível esse caderninho! Quantas ideias sairiam dele para alguém que tivesse verdadeiro interesse em transformar a realidade daquele lugar! Mas juro que, mesmo de longe, senti aqui um aperto no peito. Eu imaginava que, ao menos nas partes da cidade onde o turista andasse, houvesse algum “progresso”, mas pelo jeito a indústria do turismo ali tem sido apenas “mais uma indústria”, incapaz de melhorar a vida das pessoas locais. Que droga! A gente tem sempre a impressão de que o turismo é algo mais sustentável, mais justo socialmente. Mas a verdade é que a justiça social depende de políticas públicas. Sempre. 🙁 Abraços e parabéns pelo texto que nos faz pensar.

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