5 da manhã. Eu acordo, ainda meio dormindo, ao sentir meu marido se levantar da cama, de repente. No escuro, eu só consigo ver a sombra dele sentado na ponta da cama.

 

– O que houve? Tá se sentindo bem? – pergunto eu, totalmente grogue de sono, afundada no travesseiro, torcendo para poder voltar a dormir de novo.
– Tem um rato dentro do quarto.

 

Tínhamos comprado recentemente um despertador super caro moderno, com uma tecnologia avançada que faz você acordar de forma natural e blábláblá.
Aparentemente, certas frases fazem o mesmo efeito, de graça e muito mais rápido.

 

– Tem certeza? – pergunto, já de pé (na cama, e não no chão, óbvio), mega alerta.
– Sim, eu ouvi ele andando.
Os dois ficam num silêncio absoluto, tentando escutar. Nem o coração bate nesses horas.

 

E de repente, tec, tec, tec, tec… Um ruído de patinhas rápidas correndo pelo chão de madeira.

 

Acendemos a luz. O Mark começa a procurar pelo tapete, pela fresta dos móveis. Eu, medrosa, resolvo buscar reforços e abro a porta para colocar as nossas gatas para dentro do quarto.

 

Elas procuram. Mas nada de rato. E de paz, e sono e tranquilidade pelo resto da manhã.

 

*****

 

Explicando: aqui em Londres – assim como em muitas cidades na Europa – ratos são personagens comuns do dia a dia. Mas quando eu falo de ratos (pelo menos os daqui), não imaginem aqueles ratazões nojentos: os que eu já vi pela rua estão mais para pequenos camundonguinhos à procura de comida. E não necessariamente a presença deles é sinônimo de sujeira: muitos vivem nos campos, parques e rios, e no caso de Londres que tem muitas áreas verdes não é incomum ver esses ratinhos correndo pelos cantos.

 

De modo que, quando eles entram nas casas, eles estão atrás de comida ou de calor.

 

Eu tive a sorte de não ter visto nenhum rato dentro da minha casa até hoje, morando por aqui já há quase um ano e meio, e atribuo essa “sorte” ao fato de que, além de manter a comida e o lixo devidamente protegidos, tenho também duas espécimes felinas aqui em casa. Não que elas adiantem muito: uma vive um “Garfield lifestyle” – leia-se: come e dorme, apenas – e a outra, mais jovem e sapeca, aparentemente tem mais interesse em caçar (e ocasionalmente, comer) moscas e aranhas pela casa, do que afugentar ratos. Com esses, ela “come mosca”, mas dessa vez somente no sentido metafórico da expressão.

 

Eis uma foto sugestiva da voracidade e atitude das feras daqui em relação à ratos. Tá bem favorável #sqn
Eis uma foto sugestiva da voracidade e atitude das feras daqui em relação à ratos. Como diriam muitos, “está favorável”.

 

O lado positivo é que, mesmo diante de tamanha inaptidão delas para a caça, os ratos não sabem disso. Então de certa forma as gatinhas vinham cumprindo sua função: os ratos simplesmente não se aproximavam justamente por sentir o cheiro do predador.

 

E foi esse o problema: como sempre acostumei as “ferinhas” a não dormir comigo, o meu quarto era o único lugar em que as gatas não reinavam, e que se mantinha de porta fechada à noite. E provavelmente foi a ausência delas, além do calor, o convite para o tal ratinho se refestelar pelo nosso quarto.

 

*****

 

Eu não sei vocês, mas eu não sei lidar com rato. Por nojinho, por falta de prática, ou tudo junto.

 

Tipo, eu sei lidar com barata. Era comum entrar uma ou outra baratosa bem cascuda no meu apartamento no Rio de Janeiro, em especial porque era perto da praia, e muito mais no verão ou quando o prédio estava sendo dedetizado. Morando sozinha, eu aprendi a lidar com elas, embora não sem chilique: bastava aparecer uma francesinha que fosse, e eu já saía correndo para despejar meia lata de Baygon por cima dela (a uma distância segura) até as patinhas da dita cuja pararem de se mexer.

 

Sim, exagerada. Mas eficiente. Sabia o processo, sabia como agir.

 

E com rato? O que fazer quando aparece um? Ratoeira, veneno? Eu não tinha nenhum dos dois em casa naquela noite, e nem poderia usá-los porque seria um risco para as minhas gatas também. Teria que matar com chinelo? Argh! Qual o know-how, que eu não tenho? 🙁

 

Por um tempo, eu acreditava que estava numa posição muito confortável em não precisar saber o que fazer, visto que eu tinha duas gatas e que a própria natureza ia se encarregar de manter os ratos bem longe. Mas aparentemente, a natureza não podia fazer muita coisa se eu resolvesse fechar a porta do quarto.

 

Em tempo: o Mark costumava reclamar das poucas baratas que apareceram lá na minha casa no Rio – especialmente no dia que apareceu uma daquelas voadoras, coisa que ele, inglês, não estava acostumado a ver. Hoje eu digo que, depois de ter um rato andando pelo meu quarto britânico, ele não tem moral para reclamar das minúsculas baratinhas brasileiras.

 

*****

 

Depois de amanhecer, começamos a fazer a busca pelos possíveis esconderijos do rato. Afastamos móveis, armários, cômodas. Mexemos na sapateira. Mexemos no tapete. Embaixo da cama. Tudo.

 

E nessas horas a gente procura porque sabe que precisa, mas no fundo torce para não encontrar.

 

Não achamos o rato, mas ao fim da busca tínhamos um palpite: ele provavelmente não “morava” na minha casa, mas conseguiu se embrenhar por alguma fresta minúscula dos canos do aquecedor,  impossível de fechar. Se tinha o alívio de saber que ele não estava ali, ficava também a tensão em saber que ele podia voltar.

 

Eliminei todo e qualquer vestígio de comida pela casa, tentamos obstruir os cantinhos e pronto – foi o que deu para fazer. Só que aconteceu mais um problema durante o dia: eu e o Mark caímos nas garras de uma gripe fulminante que já nos espreitava há dias.

 

Status do final do dia: os dois prostrados na cama, em um momento de pura intimidade em meio a tosses, espirros, gargantas inflamadas, dores de cabeça e toda a sensualidade #sqn que vigora nesses momentos. E como a noite anterior foi curta e o dia foi tenso, fomos dormir, acabados.

 

E aí adivinha.

 

Dessa vez, eu que acordo com o tec-tec-tec de patinhas sob a minha cama – e do meu lado! Tem coisas que você não precisa ter experiência prévia para saber: é inconfundível o barulho (e a certeza) de ter um rato passeando debaixo da sua cama.

 

Vou te contar que estar deitada doente num quarto escuro com um barulho desse é muito mais assustador do que todos os medos infantis de qualquer monstro imaginário que eu já tive na minha infância.

 

Fico deitada, olhos arregalados, sem coragem (ou forças) de pôr o pé no chão e ir andando até o interruptor de luz.

 

Como se, convenhamos, ao acender a luz e dar de cara com o bicho eu super saberia o que fazer.

 

Acordo o Mark com a esperança óbvia de alguém que espera que o outro faça alguma coisa, mas que só serviu para compartilhar o estresse, visto que ambos estavam doentes demais para fazer qualquer outra coisa.

 

Sem saída, optamos pela última alternativa: desapegar e deixar a natureza agir. Que, basicamente, significou abrir a porta do quarto e deixar as gatas entrarem. E tentar dormir (com rato no quarto ou sem) com a absoluta fé de que a cadeia alimentar iria resolver o problema.

 

Não sei se elas caçaram nenhum camundongo – ou, se o fizeram, esconderam muito bem porque eu não achei nenhuma carcaça até hoje. Mas verdade seja dita, nunca mais escutei nenhum barulho sequer de rato perto de mim até hoje. Depois de soltar as gatas no quarto, eu dormi feito uma pedra: se antes me incomodava o barulho delas correndo pela casa às 3 da manhã (quem tem gato sabe que eles ficam super ativos no meio da madrugada), a partir deste dia isso virou música para meus ouvidos. Pelo menos o tec tec tec das patinhas no chão eu tenho certeza de quem é.

 

Moral da história: desde essa fatídica noite, a prática de divisão de espaços humanos/gatos foi abolida, e elas tem acesso irrestrito pela casa. Especialmente à noite, quando dormem no tapete debaixo da nossa cama.

 

Cães de guarda? Que nada; cats are the new black, creiam.

 

*****

 

Só um adendo: neste fim de semana, num papo animado com a queridíssima Carol Guido, que também mora em terras londrinas, ela me conta que a empresa em que trabalha está com problema de camundongos. Imagine você um prédio cheio de escritórios modernosos, em pleno centrão de Londres, com um e outro ratinho correndo pelo carpete, disputando os corredores na mesma pressa dos engravatados.

 

Segundo ela, o auge foi quando ela viu três numa só manhã: o suficiente para fazer metade dos colaboradores trabalharem de perninhas de chinês sobre as cadeiras do escritório enquanto trabalham em estratégias e relatórios. Imaginando a cena, eles tem toda a minha admiração: nesse nível zen de desapego eu ainda não cheguei.

 

Segundo ela, a empresa está tentando resolver o problema há um tempão: já foram contratados dedetizadores e até agora nada.

 

Sugeri de ela recomendar ao chefe a abertura de vagas para dois ou três mascotes felinos ficarem por lá por período integral (prática, aliás, que já existe em alguns escritórios e laboratórios aqui de Londres onde trabalham amigos meus – e que, por consequência, são totalmente mousefree).

 

Eu vejo só vantagens: não só ia elevar o nível de fofura do ambiente de trabalho, mas resolveria automaticamente o problema dos visitantes indesejáveis. Sem contar que o orçamento para essa solução deve sair muito mais em conta também.

 

Viram? Vida na Europa é puro luxo, glamour e contato com a natureza… eek

Comments

6 COMENTÁRIOS

  1. Ratos e Londres… argh!
    Eu moro em Londres há 5 anos e tive o desprazer de dividir o apartamento com um camundongo nojentinho desses apenas 1 vez (que eu saiba). Morava no terceiro andar e o bicho chegou lá na minha cozinha… Vi uma sombra, assustei, mas achei que tava viajando. Continuei olhando pra porta da cozinha e lá veio ele, cheirando mexendo aqueles bigodinhos e me olhando. Aaaaargh!!! Foi mais de um mês até achar o bicho de novo, ou seja, eu sem dormir e sem conseguir pisar na cozinha (eu tenho pavor desse bicho!!), colocando lençol em todas as frestas das portas. Um belo dia, colocamos uma ratoeira na cozinha de noite e… De manhã lá estava ele! Um alívio, mas a gente mudou dois meses depois de apartamento e até hoje eu não me recuperei, vivo ouvindo barulhos e achando que tem rato em casa. hahahahaha
    Nada pior que isso! Não importa se é grande ou pequeno, é nojento do mesmo jeito e a gente nunca acostuma. Suas “caçadoras” são lindíssimas! <3

    • Oi, Luíza, obrigada pela seua visita e comentário aqui no blog – vi que temos algumas amigas em comum! 🙂

      Pois é, sei bem como é esse pânico, embora a imagem do rato em uma ratoeira também não é nada agradável, ui! E sim, minhas “caçadoras” são umas fofas, mas são meio inúteis nesse quesito – são meio Garfield, só comer e dormir, sabe? hahahaha!

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