Se você é do tempo da onça, como eu, deve se lembrar do velho e bom chocolate  Surpresa, da Nestlé – aquele que sempre vinha com figurinhas colecionáveis com fotos de bichos selvagens, com características e hábitos da espécie no verso. E se não me falha a memória, aqui no atual avançado da idade, tinha até um álbum para colecionar  – uma ótima forma de adicionar um pouco de cultura à insaciável gula infantil.

Não sei vocês, mas eu adorava. Não o chocolate, que nem achava lá essas coisas, mas eu já viajava nas figurinhas que me apresentavam animais de um universo tão distante, como o tatu-bola, o tamanduá-bandeira, a ariranha…  Eu veria estes nomes mais tarde nas aulas de ecologia e nas listas de animais ameaçados do Ibama. Mas o mais próximo que eu chegava deles era mesmo nas figurinhas melecadas de chocolate derretido e dedos infantis.

Por isso, cá entre nós, conhecer o Pantanal foi um deja vú. Foi como ir percorrendo a estrada e ir marcando no “check-box” mental cada animal que ia encontramos no caminho. “Ah, ali tem uma arara! Opa, já vi uma ariranha! Olha lá, um jacaré de papo amarelo!”. A satisfação de ver cada animal, ao vivo e a cores, era povoada com quase a mesma alegria infantil de encontrarmos uma figurinha que a gente não tinha…

Com a diferença que, dessa vez, o álbum é maior e  bem mais interessante…

Tuiuiú. Não se engane pelo tamanho – alguns tinham praticamente a mesma altura que eu.

 O Pantanal é surpreendente e vale a visita. E digo isso porque a todo lugar que eu olhava inspirava fartura (que, aqui, não tem nada a ver com luxo e conforto). Fartura mesmo de fauna, de animais, de recursos. Fartura que é notada em pequenas coisas ao longo da estrada: num campo de cupinzeiros que seguia a perder de vista, onde os cupinzeiros pareciam ter sido colocados ali em escala industrial, tamanha a quantidade e disposição com que eles eram arrumados.

Ou, nos lagos, por vezes pequenos – mas ainda assim, salpicados por uma infinidade de pares de olhos atentos.

Cada pontinho desses na água é uma cabeça de jacaré (que aqui não dá para ver, mas no dia cheguei a contar 40). Ao meio dia, só é possível ver os olhos, protegidos do  calor. Porém experimente visitar o mesmo lago ao final da tarde, quando eles saem da água: parece o milagre da multiplicação!

Ou ainda, nas árvores. Em cada árvore, uma média de 5 ninhos. Algumas chegavam a 15 numa mesma árvore. É vida brotando de todos os cantos.

Essas “bolsas” são ninhos de pássaros. É possível encontrar mais de 10 em uma mesma árvore.

E morte, também. Não raro é possível ver um jacaré grande devorando um pequeno (existe canibalismo na espécie), uma piranha sendo devorada por uma ariranha. Porque a sobrevivência segue implacável e silenciosa todos os dias. Coisa que a gente sabe, mas não se dá conta.

Mas é a vida – e é bonita, e é bonita.

Veja bem, meu bem: no Pantanal, não é exatamente você quem está sendo o observador.

 Estrutura

O Pantanal tem dono. Várias donos, aliás. São várias fazendas ao longo da estrada, muito bem delimitadas por cercas de arame (que, vale saber, é liso e não farpado, para não ferir os animais selvagens que passeiam de um lado a outro).

O que ia contra a minha imagem ingênua e romanticamente formada de um extenso território selvagem, no qual entraríamos desbravando os territórios no melhor estilo Globo Repórter. Que nada. 

Mas o que não tira em nada a graça do passeio. É nas fazendas que estão as estruturas para receber os visitantes (locais e turistas), e onde dá para ver a fauna em seu habitat natural.

Um singelo detalhe da Pousada Rio Clarinho, onde fiquei. A estrutura deixou a desejar, mas foi a ali a base para a maioria dos passeios.

Quer dizer, mais ou menos. Primeiro, porque o Pantanal é uma região e não um zoológico, então estar lá no habitat deles não é garantia de encontrá-los posando em algum lugar. O bicho está lá, pode aparecer ou não, e honestamente, acho que um pouco da graça está em aguçar olhos e ouvidos para tentar descobrí-los e reconhecê-los aqui e ali.

Outro detalhe é em relação às próprias fazendas: algumas são puro luxo e exuberância, outras são bem mais simples, então o preço geralmente é proporcional ao conforto. Embora, na minha humilde sugestão, eu esqueceria o fresquinho do ar condicionado e o azulzinho da piscina. No Pantanal, assim como no Arquivo X, a verdade está lá fora.

E está mesmo… Estas fotos foram tiradas durante um simples “rolé” pelos arredores do sítio Rio Clarinho, onde fiquei…

Gavião Carcará: tranquilão, na dele, divide com urubus a busca de carniça. E é lindo. Né?
No Pantanal, preste atenção em cada folha e árvore ao seu redor: belas surpresas podem estar escondidas ali…
Um olho no alto e outro no chão: não raro, é possível confundir uma pedra com um jabuti. Olho na estrada, especialmente quando estiver dirigindo!
Casal de Araras Canindé. Descobrimos um ninho delas na propriedade e ousamos chegar (bem) perto para fotografar.  E descobrimos em seguida que na frase “cutucar onça com vara curta” o bicho bravo em questão é outro – e voa.

São também estas pousadas que oferecem os passeios. Uma dica é tentar pernoitar em uma delas e tentar ficar pelo menos dois dias lá – e aí participar de uma saída noturna para focagem de animais, uma vez que muitos deles tem hábitos noturnos, como a anta, o tamanduá-bandeira e a onça.

Sim, onça.

[box type=”info”] Um breve adendo sobre onças: os guias pantaneiros de lá disseram que é difícil vê-las (e aí se isso é bom ou ruim fica a critério seu). Mas existem sítios (dizem) em que o guias levam alimento para atrair as bichinhas e agradar os turistas. Penso cá com meus botões que isso não é o mais correto: primeiro, porque isso é interferência direta na alimentação do animal e nos seus hábitos. Segundo, porque acredito que é perigoso – afinal, até que ponto existe a segurança de que o animal, selvagem e solto, não vai atacar?). E, convenhamos, já perdeu todo o aspecto natural da coisa.[/box]

As opções de passeios geralmente incluem uma volta de barco (a remo) nos rios, para avistar os animais na margem, saída para pesca, caminhadas, passeios a cavalo, além da focagem noturna de animais explicada acima.

Caminhada ecológica no Pantanal

 Uma opinião: posso até não ter dado sorte. Pode ser que todos os passeios que eu fiz não tenham sido feitos num bom dia. Não morri de amores pela caminhada, nem pelo cavalo. Mas duas coisas valeram a pena.

A primeira foi o passeio de barco. Que começou do mesmo jeito que terminou: simples, devagar e em silêncio. Esqueça lanchas e velocidade: ali, a graça do passeio é exatamente a contemplação da natureza das margens, de uma beleza que não é óbvia: pelo contrário, está escondida sob galhos, sombras e curvas do rio, silenciosa, e que só se revela a olhos atentos.

Eu, confesso, só entendi a beleza escondidas dos rios depois que baixei as fotos. Então não estranhe se te acontecer o mesmo.

 

Ariranhas: consideradas as “onças” do rio, vivem em bandos e são extremamente territorialistas. Podem atacar (e matar) um jacaré que tente se meter a besta com elas
São tão territorialistas que elas cercam o barco (e podem até tentar entrar nele) para afastar quem ouse se aproximar demais. Deu para notar a carinha de poucos amigos?

E a segunda coisa de que mais gostei foi, sem dúvida, a Transpantaneira. Uma estrada que é a viagem em si mesma, e não o destino. Tão interessante que merece um post só para ela (em breve, prometo!)

Cá entre nós: você já não se sente desbravador só em atravessar este portal?

Porque? Porque foi nela que é possível avistar melhor os animais (ou, pelo menos, eu tive essa sensação). Porque ali o passageiro é você. Porque ali a viagem – e a vida – acontece enquanto a gente se locomove. E, talvez por isso, cai a ficha do porquê daquelas figurinhas do chocolate Surpresa, lá atrás, serem tão fascinantes quando a gente era criança: a gente sabe que logo ali vai encontrar um surpresa bacana. A gente só sabe que é bicho. E o bicho que aparecer já é motivo de alegria – porque o bacana mesmo já está na expectativa genuinamente infantil dos olhos e do coração em procurar por ele.

[tabs slidertype=”top tabs”] [tabcontainer] [tabtext]Onde Ficar[/tabtext] [tabtext]Outras Opções[/tabtext] [tabtext]Como ir[/tabtext] [tabtext]Quando ir[/tabtext] [tabtext]O que levar[/tabtext] [/tabcontainer] [tabcontent] [tab]Eu fiquei na Pousada Rio Clarinho (fiquei, entenda-se: não dormi, apenas serviu de base para os passeios durante o dia). Muito simples e, segundo alguns visitantes com quem conversei, não gostaram muito da estrutura. Mas achei o pessoal de lá bem atencioso, e se a sua proposta não é luxo e sim um lugar para servir de base, converse com eles. Em tempo: lá tem um ninho de araras-canindé bravíssimas: vale tirar uma foto e sair correndo pela sua vida depois. [/tab] [tab]Amigos de Cuiabá recomendam muito o SESC Pantanal de Porto Cercado, mas ouvi referências também a Pousada Santa Clara e Fazenda São Francisco.  Agora, se você pertence a privilegiada classe dos abonados, existe a Fazenda Arara Azul, no município de Pirigara. Fica no meio do meio do Pantanal, e cujo acesso só é possível por avião (o hotel freta voos em jatinho para lá. Coisa chique, bem!). O preço já começa caro no transporte, mas a fazenda tem bastante estrutura. Eu não fui, não cheguei nem perto: mas repasso aqui as informações obtidas pelos guias locais – e como nenhum deles tinha vínculo com a pousada, mas senti muitas exclamações nos relatos, achei que seria válido compartilhar aqui. Ah, e ainda segundo eles, “lá no Pirigara onça é igual a cachorro vira-lata, tem em tudo quanto é lugar”. Retirados os devidos exageros, acho que é válida uma conferida. Caso você e o seu jatinho não estiverem fazendo nada.[/tab] [tab]Várias agências (e creio que as pousadas também) fazem serviço de translado. O meu passeio foi contratado pelo HI Hostel Portal do Pantanal, de Cuiabá (as opções de quantidades de dias e passeios estão aqui) . Para quem pretende alugar um carro, também dá para fazer: só fique atento a época do ano (pois na cheia a estrada fica enlameada e a chance de atolar é certa). A porta de entrada clássica para a Transpantaneira é a cidade de Poconé, pequenininha e gracinha no interior do Mato Grosso, mas também é possível chegar lá através das cidades de Barão do Melgaço ou Cáceres. Aqui neste link tem alguns mapinhas bem explicativos.[/tab] [tab]O Pantanal tem duas estações, praticamente: a cheia, que vai de novembro a meados de abril, e a seca que vai de maio a outubro. Em cada uma, é um Pantanal diferente que se vê. A cheia é um pouco mais fresco, mas a seca o risco de atolar nas estradas é menor. Em tempo: não sei se a informação procede, mas durante a época de cheia, os animais ficam “ilhados” – o que pode tornar mais fácil vê-los. Em compensação, a época da cheia é também a época dos mosquitos: você pode não vê-los, mas te encontrarão. Fato.[/tab] [tab]Protetor solar e repelente de mosquito é fundamental. De resto, roupas confortáveis para trilhas, um bom tênis, roupa de banho. Ah, e câmera com bateria e memória extra. Porque acredite: você vai usar! ;)[/tab] [/tabcontent] [/tabs]

 

 

Comments

14 COMENTÁRIOS

  1. Ler o seu post foi como viajar por um momento e vivenciar tudo através do seu relato e das fotos (coisa que acontece quando lemos um bom livro).

    E despertou mais a minha vontade e curiosidade de conhecer esta parte do nosso país.

    Obrigada, Clarissa!

  2. “Tuiuiú. Não se engane pelo tamanho – alguns tinham praticamente a mesma altura que eu.”
    Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, que figuraça você heim!?
    Abraço.
    Dan Brown

  3. Fantástico post e belas fotos. Ainda me falta conhecer o Pantanal, embora já tenha estado bem perto, em Bonito – que também é lindo, sem trocadilho… (e pena que o surpresa acabou!)

  4. Ótimo post, e as fotos estão mesmo maravilhosas!!! Fiquei super curiosa de ler sobre a Transpantaneira. Hummmm, e com saudades do chocolate Surpresa! : )

  5. ADOREI!!!!! Também colecionava os cartõezinhos do Surpresa!!! =)
    Tanto a narrativa, como a Jana elogiou, quanto as informações! Não fazia idéia de que o passeio de barco era a remo, mas faz total sentido.
    Sobre a onça, até gosto do fato de ser difícil vê-la!!! hahaha
    Quando eu voltar eu conto como foi!
    Beijinhos!

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