Minha vó costumava dizer: “Eu adoro a vida dos outros”.

Não, ela não era fofoqueira – muito, muito pelo contrário! Mas era uma pessoa que adorava ouvir histórias de gente como a gente, fatos reais, e costumava “colecionar” as histórias que mais gostava anotando-as no papel e guardando numa pastinha. Minha avó ainda não é muito digital.

Então, de tempos em tempos, ela gostava de pegar a pastinha e reler – seja em momentos em que ela precisava ser lembrada das histórias boas que acontecem ainda nesse mundo, seja porque uma delas sempre tinha uma pequena moral ao final (e se não tinha, minha avó sempre conseguia ver uma e me ensinar. Coisas de vó que leva a sério a tarefa de educar os netos).

Acho que peguei isso dela, de certa forma. Sou uma louca atenta por histórias sobre lugares – mas não só a história que aconteceu nos livros, mas a que acontece todos os dias nas vidas das pessoas como a gente. Quando me deparo com uma que gosto, guardo – só não em papéis e pastinhas. Adoro reler de vez em quando. Acho que também adoro a vida dos outros.

Inevitavelmente, comecei a fazer isso ao morar aqui em Londres, e depois de um ano nas terras de Dona Elizabeth, descobri que minha “pasta” já está ficando “gordinha”.

E acho que valia a pena compartilhá-la com vocês também. 🙂

Curiosidade 1: Uma história de amor por trás do “Mind the Gap”

Mind the gap

Sabe o famoso “Mind The Gap” dos metrôs de Londres?
Então: a frase é um bordão comum que sempre soava nos sistemas de som do metrô londrino, toda vez que um trem chega. E por décadas, vários atores foram contratados pela empresa responsável pelos transportes para gravar a tal mensagem.

Um deles, porém, havia gravado o famoso bordão há 40 anos atrás, e aparentemente não deixou nenhum outro registro da sua voz até sua morte. Por isso, a esposa dele ia frequentemente à única estação de trem  que ainda tocava a gravação do esposo e ficava na plataforma vendo os trens passarem apenas para escutar sua voz.

Isso foi sua rotina por anos. Até que, num belo dia, a empresa de metrô substituiu a gravação pela de uma mulher.

Ela, devastada, escreveu à companhia uma carta contando sua história e pedindo a gentileza que esta gravasse um CD com a gravação “Mind the Gap” do marido, para que ela pudesse voltar a escutar sua voz.
O que aconteceu? A Transport for London não só atendeu o pedido – entregou o CD com a gravação (que ela diz que ouve até hoje) – como também se encantou com a história e resolver recolocar novamente a gravação de “Mind the Gap” na voz do marido na estação de Embankment!

A historinha, fofa, é real e rendeu até esse vídeo, aí embaixo! Assistam, é tocante! 🙂

PS: O vídeo foi filmado em outra a estação, a de Barbican, por uma questão de autorização para a gravação, mas a história real aconteceu na estação de Embankment, que fica às margens do Tâmisa e bem pertinho da London Eye. Se você passar por lá, fique atento para ouvir também o “Mind the Gap” do marido.

Curiosidade 2: Cúpula de Saint Paul 

Segunda Guerra Mundial. Londres sofre uma série de pesados bombardeios dos aviões alemães, que chegaram a matar aproximadamente 20.000 civis

Um dos piores deles aconteceu na noite de 29 de dezembro de 1940, quando diversas bombas caíram sobre Londres, destruindo centenas de prédios imediatamente ao redor da Catedral de Saint Paul. O domo da Catedral, porém, manteve-se intacto, o que foi considerado imediatamente como um milagre. Um fotógrafo do Daily Mail registrou a cena nesta foto.

A foto mais icônica da Blitz em Londres. Crédito da Foto: Herbert Mason, Daily Mail
A foto mais icônica da Blitz em Londres. Crédito da Foto: Herbert Mason, Daily Mail

Winston Churchill, ao saber do fato, imediatamente ordenou que os bombeiros da cidade se deslocassem de todos os pontos da cidade para apagar o incêndio ao redor da Catedral e garantir que ela permanecesse incólume. A curiosidade é que, neste dia, os bombeiros trabalhavam apagando o fogo da Guildhall, outra importante construção clássica de Londres, que por causa disso foi totalmente consumida pelo fogo (mas que agora já foi reconstruída e está de pé, de novo).

No dia seguinte os censores autorizaram a publicação da foto pelo Daily Mail como uma espécie de propaganda de guerra, para manter alta a “moral” dos ingleses.

Aparentemente, deve ter dado certo.

Curiosidade 3: Cúpula de Saint Paul (2)

Saint Paul

O arquiteto Christopher Wren, responsável pela construção da Catedral de Saint Paul, queria colocar um enorme abacaxi no topo da cúpula. Não, não estou mentindo: abacaxis são considerados símbolos de prosperidade e você pode encontrar vários esculpidos em detalhes de corrimãos, colunas de pedra e fachadas.

Mas que um abacaxizão esculpido no topo da cúpula ia ficar legal, ia… 🙂

Curiosidade 4: Livros de Hitler para proteger o teto das bombas

Ainda sobre os tempos de guerra…

Eu já contei nesse post sobre a livraria Foyles, a melhor de Londres (vale dar uma visita na de Charing Cross, que ocupa 4 andares e possui qualquer tipo de livro que você possa imaginar).

A história, na verdade, é dos donos: quando Hitler começou a queimar livros na Alemanha nazista, um dos fundadores mandou um telegrama diretamente ao líder bigodudo perguntando se, ao invés de queimar, ele poderia comprar os livros; e ainda ofereceu um ótimo preço. A resposta veio quase que imediatamente: não, a Alemanha nazista não tinha livros disponíveis para a venda e que a queimação toda iria continuar. Anos depois, quando a guerra começou e os bombardeios em Londres também, o mesmo fundador anunciou que estava colocando livros velhos de Mein Kampf (livro escrito por Hitler) no teto da livraria, para protegê-la de futuras bombas.

Curiosidade 5: Corrida de barco (agora também para mulheres)

Ok, não é exatamente uma história de Londres, mas acho que vale mesmo assim: essa foi uma curiosidade que eu havia postado na época no meu Facebook pessoal, mas achei tão interessante – e tão significativo depois das últimas discussões que tem havido por aí sobre empoderamento feminino – que achei que valia a pena dividir com vocês aqui no blog!

11 de abril de 2015 foi um dia importante na Inglaterra: isso porque, todos os anos nessa época (fim de março e início de abril) acontece a corrida de barcos entre as universidades de Cambridge e Oxford, uma das mais competições mais acirradas e clássicas do país. Vocês provavelmente já ouviram falar das duas universidades, ambas consideradas as melhores do mundo; e na prática há uma declarada rivalidade entre elas sobre quem é a melhor.

Algo no nível Brasil x Argentina, Bolacha x Biscoito, por aí… 🙂

Então obviamente, todo mundo aqui na Inglaterra fica num frisson danado com essa corrida de barcos. Menos eu, na época, que nunca liguei para barco mesmo.

Mas aí eu soube de uma historinha que mudou todo o sentido da corrida…

A competição acontece há 87 anos. E desde seu início, era patrocinada por largas somas de dinheiro como prêmio para os homens participantes que vencessem a corrida – cujo dia merecia uma cobertura especial da televisão e todas as pompas de um grande evento.

A competição feminina, por outro lado, não recebe nenhum investimento. As mulheres precisam pagar pela sua própria inscrição e treinamento para participar (somas que chegam a quase £2.000), não há prêmio para as vencedoras e elas são proibidas de competir no mesmo dia e no mesmo trecho que os homens (porque o trecho em questão era “muito difícil” e “elas não teriam capacidade” para fazer a mesma prova). Por isso, a competição feminina sempre foi vista como quase uma “recreação”.

Em muitos casos, elas não tinham quase equipamento para treinar, nem barcos de qualidade, nem vestiários, e até os treinadores delas eram voluntários, já que não havia investimento. O mesmo acontecia em relação ao tom da cobertura da competição: enquanto a prova masculina recebia toda a atenção da mídia esportiva e era divulgada em todo o país, a competição das mulheres era tratada como um evento menor, com quase nenhum destaque nas páginas. Numa ocasião, um dos barcos da corrida feminina quebrou porque era muito velho e estragado, e quando as competidoras saíam desoladas da água por terem que abandonar a prova depois de tanto treinamento, os fotógrafos dos jornais pediam para que elas posassem sorridentes com suas toalhas e maiôs.

Até que em 2011 (DOIS MIL E ONZE, vejam bem) um banco de investimento, liderado por uma mulher (e mãe de nove filhos), topou financiar a competição, mas com uma condição inegociável: a competição feminina deveria acontecer no mesmo dia e no mesmo trecho que o dos homens, e com igual investimento para ambas as partes.

Foram 4 anos de preparação (inclusive das cabeças masculinas envolvidas no evento) para os novos termos.

E foi em 11 de abril de 2015, que pela primeira vez as mulheres competiram em pé de igualdade com os homens em uma das mais tradicionais competições esportivas da Inglaterra. Houve muita expectativa – e muita estranheza – em torno dessa “novidade”.

O que me faz pensar duas coisas: a primeira é que eu nunca liguei para corrida de barco, mas já acho que vou virar fã dessa. Porque merece.

E a segunda é que, aparentemente, ser mulher é ainda ter que descobrir nos dias de hoje que atravessar o rio a remo é a parte mais fácil da prova.

Para quem quiser ler mais: tem uma matéria bem completa (em inglês) sobre isso. E se você tiver interesse em assistir a corrida, a próxima acontece no dia 27 de março de 2016.

 

Curiosidade 6: Os rios de Londres

O Tâmisa é o rio mais importante de Londres, mas há vários outros cursos de água espalhados pela cidade. Alguns estão em parques – e ajudam a complementar os espaços verdes da cidade, uma característica bem típica de Londres – mas outros rios são subterrâneos, com toda uma cidade construída em cima. São os chamados “lost rivers” ou rios perdidos.

Um deles é o Tyburn, hoje totalmente coberto por construções. Porém, um excêntrico planejador de desenvolvimento urbano chamado James Bowdidge foi eleito secretário honorário da Tyburn Society e elaborou um enorme projeto para “descobrir” o rio e replanejar a área sobre ele, transformando-a em um área de pesca e lazer para a cidade, então carente desses espaços. O projeto incluiria a demolição de várias construções – o que até aí não era muito problema. O problema é que uma dessas construções que deveria ser destruída é avaliada em mais de 1 bilhão de libras e leva o nome de Palácio de Buckingham.

Troca da Guarda de Buckingham

Como vocês podem imaginar, o bem intencionado projeto não foi para a frente. Provavelmente está mais enterrado que o tal do rio Tyburn.

 

Curiosidade 7: “Um gato de rua chamado Bob”  vai ter um Café

Eu sou uma “cat lover” – tenho dois espécimes peludos aqui em casa. E por começar a me encantar pelo universo dos gatos, meu pai me deu um livro chamado “Um gato de rua chamado Bob” (a versão original é “A Street Cat called Bob”).

Eu achei que era um desses livros “mamão com açúcar” como “Marley e eu” e admito que larguei o livro na prateleira por um bom tempo (mais de um ano, acho). Não é o meu tipo de literatura.

Mas aí dia, um dia desses, quando eu já tinha me mudado aqui para Londres, tinha terminado de ler meu livro atual e estava seca para ler outra coisa, saí catando livros aqui em casa. Peguei esse – e resolvi ler.

Achei bem tocante: é a história de um rapaz, ex-viciado em drogas que tocava nas ruas para se sustentar, e um dia encontra um gato laranja na sua porta. Pá de lá, pá de cá, ele adota o gato, gato muda a vida dele. História verídica – quem quiser saber um pouco mais, tem um mini-documentário em vídeo sobre a dupla aqui.

(SPOILER) Vantagem a ser dita sobre o livro: o gato não morre no final, de modo que você não vai se desidratar em lágrimas como aconteceu com “Marley e eu”. Mas o livro é facinho e rapidíssimo de ler.

O que eu mais gostei, porém, foi reconhecer diversos dos lugares em que o autor passeia, em Londres – em especial a região de Covent Garden, a mais famosa entre turistas. E depois de ter lido o livro eu descubro uma novidade bacaníssima: Bob (bom, seu dono, na verdade) vai abrir um “cat-café” em Londres! A locação inicial seria em Covent Garden, onde boa parte da história se passa, mas pelo custo do aluguel o projeto foi mudado para Inslington/Hackney. A idéia foi para um site de crowdfunding e já arrecadou muito mais do que o necessário. É só esperar a liberação do projeto pelas autoridades inglesas – uma burocracia que pode demorar, como aconteceu com o Lady Dinah Emporium, o primeiro cat-café da cidade!

A idéia é dar um local de acolhimento, trato e adoção para gatos abandonados em Londres, e destinar também parte dos recursos para outras ONGs, especialmente à Big Issue, onde James Bowen trabalhou (a Big Issue é uma ONG que produz jornais que são vendidos por moradores de rua e pessoas que precisam de uma renda, de modo que os recursos da revista possam ajudá-los a se manter).

PS: Não, não estou ganhando nada por anunciar isso – simplesmente porque o faço porque gostei da história e iniciativa. Mas o livro fez sucesso no mundo todo e tem tudo a ver com um lado da cidade menos glamouroso, que é o dos músicos de rua e de pessoas que estão lutando para sobreviver por aqui.

E bem, tem gatos! Como resistir a falar de gatos na internet? 🙂

Comments

5 COMENTÁRIOS

    • Obrigada, Elaine!!! <3
      Mas a história é linda, né? Rolou uma lágrima aqui na primeira vez que eu vi o vídeo e soube da história. E faço questão de contar isso para todo mundo que vai na estação de Embankment aqui em Londres - a voz dele está lá até hoje!

    • Oi, Douglas, que bom ter sua visita por aqui! Então, não sei se era a mesma (foram vários os locutores do Mind the Gap ao longo do ano), mas a última informação que eu tive foi que a voz desse cara, atualmente, é só em Embankment mesmo (eu escutei na sexta passada, quando fui lá!) 🙂

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